A prescrição de ER resistido para cardiopatas, tradicionalmente, foi quase sempre composta apenas de exercícios aeróbios, com intuito da melhora da função cardiovascular e para apreciar os reconhecidos benefícios dos exercícios contínuos (FEINGEINBAUM e POLLOCK, 1999). No entanto, nas atividades diárias e laborais, há uma grande exigência de aptidão muscular, evidenciando a necessidade de se incluir a prática de exercícios contra-resistência nos programas de reabilitação cardíaca, com intuito também de melhoras funcionais (FEINGEINBAUM e POLLOCK, 1999). A American Heart Association (AHA, 2007) enfatiza que, tanto cardiopatas como pessoas não enfermas devem suportar satisfatoriamente a prática de ER, além de experimentar os efeitos positivos sobre outros componentes da aptidão física e funcional, desde que seja possível supervisão e instrução adequadas.
A tensão eminente entre a carga mobilizada e a quantidade de repetições possíveis, talvez seja uma característica observada, que vai mais fortemente na contramão do senso comum. Sobre esse aspecto nos resta fazermos algumas considerações. Em primeiro lugar, ao tocar no assunto de repetições, devemos nos atentar se essa seqüência de movimentos atinge a exaustão voluntária ou não. Exercícios prescritos em repetições máximas (RM), pressupõem repetições até a exaustão muscular voluntária, produzindo, portanto, picos cardiovasculares máximos para aquela situação (geralmente nas últimas repetições). No entanto, os estudos analisados que se utilizaram dessa perspectiva, produziram respostas cardiovasculares aceitáveis dentro dos padrões de segurança, não apresentando anormalidades eletrocardiográficas, clínicas ou bioquímicas que contra indicassem a o ER para cardiopatas, mesmo em execuções próximas da exaustão.
Mesmo assim, sugere-se que a exaustão máxima seja considerada com devida cautela. A interrupção do exercício, uma ou duas repetições antes do ponto de exaustão, pode ser uma diretriz técnica que garanta maior segurança cardíaca. Considera-se que, essa interrupção do exercício, não deva prejudicar em demasia o ganho funcional e de aptidão objetivado, já que, para cardíacos ou qualquer outro público não atleta, a meta primordial de um programa de ER não é, geralmente, o desempenho máximo. Por fim, levando em conta que o método das RM é muito mais utilizado no âmbito de prescrição de exercícios, sugere-se que a monitoração das variáveis cardiovasculares seja rotineira, além de, inclusive, acrescentar o controle da percepção subjetiva do esforço, a atenção a sinais e sintomas, como recomenda o American Heart Association (AHA, 2007).
Assim, é importante reforçar que, para qualquer público, a tradicional fase de adaptação é mantida, principalmente para o desenvolvimento do aprendizado do exercício.
A fase de adaptação, entretanto, tem que ser seguida de uma progressão que leve o indivíduo a experimentar, os ganhos funcionais do ER, pois a realização de ER com intensidade abaixo de 60% de 1RM ou cargas que possibilitam a realização de mais de 25 repetições máximas, deve trazer pouco ou nenhum ganho em força muscular (Fleck e Kraemer, 1999). Dessa forma, a 40% de 1RM, seguramente, realizam-se muito mais que 25 repetições. Assim, a clássica recomendação de exercícios de resistência muscular localizada, de 15 a 20 repetições a 40% de 1 RM, para cardiopatas, está longe de oferecer algum benefício em força, se for mantida para além do período adaptativo.
Em síntese, garantidos os ganhos em aprendizagem do período inicial, parece ser mais válido, manter a prescrição na faixa de 10 a 15 repetições máximas, pois, além de proporcionar o almejado ganho em força, apresenta comportamento cardiovascular menos intenso. Favorece, ademais, uma boa técnica de execução, primordial para a segurança do exercício em termos biomecânicos, e não estimula a execução da manobra de Valsalva, comum e faixas de poucas repetições, e que é um fator responsável por elevar os valores pressóricos (AHA, 2007).
O tipo de contração muscular (concêntrico, excêntrico ou isométrico), também foi outro ponto analisado que se opõe substancialmente ao que geralmente se observa na percepção geral. A isometria sempre foi tida como extremamente perigoso ao sistema cardiovascular, por elevar os valores pressóricos. Esse efeito, no entanto, não têm sido reportados pelos estudos. Exercícios isométricos, usualmente, são utilizados em pessoas que necessitam de alguma reabilitação articular, que impede inicialmente a realização de esforços dinâmicos. No caso dos idosos, por exemplo, é sabido que há uma incidência considerável de doenças osteo-articulares como as osteoartroses. O tipo de treinamento para esse tipo de afecção, é baseado, em geral, em contrações isométricas de até 120 segundos, com 10 a 80% da carga máxima, em progressão gradual (ACSM, 2004). Na velhice, além disso, observa-se alto índice de incidência de doenças cardíacas, fato que, se levássemos em conta a percepção do senso comum, uma pessoa com as duas condições, não poderia realizar esforços estáticos, limitando, assim, o processo de controle da doença articular. Como visto, contrações estáticas, de magnitudes de duração até superiores a dois minutos, foram realizadas com eficiência e segurança em indivíduos com doenças do coração, reforçando, assim, a possibilidade de treinamento isométrico nessa população.
Com relação ao volume muscular, a realização de exercícios para grandes grupos sempre foi associada a exercer uma exagerada resposta pressórica, por oferecer uma compressão vascular mais acentuada do que músculos de menor volume. No entanto, a revisão efetuada mostrou que isso nem sempre se confirma. A composição morfológica do músculo, no que se relaciona ao tipo de fibra predominante, pode ser uma explicação para a resposta cardiovascular mais acentuada de grupos musculares considerados pequenos. Isso pode ser devido a alguns músculos apresentarem maior número de fibras rápidas, que estimulam em demasia o sistema cardiovascular, de acordo com mecanismo hipotético já descrito.
Além disso, o tempo em que a musculatura é mantida em tensão, também pode exacerbar picos cardiovasculares mesmo em músculos tido como pequenos. Isso se relaciona diretamente ao tipo de exercícios e equipamento que se prescreve o programa de ER. Equipamentos projetados por sistemas de alavancas, ou por cabos e polias tendem a tencionar de forma diferente a musculatura (FLECK e KRAEMER, 1999), fato que deve diferenciar o comportamento cardiovascular esperado. O exercício de extensão de joelho (quadríceps) ou peck-deck (peitoral), por exemplo, mantém a musculatura tencionada em todo o arco do movimento, situação que, de acordo com a revisão efetuada, perece elevar a resposta cardiovascular. Isso implica diretamente na montagem de programas, no que tange a escolha dos exercícios e dinâmica de movimento. Essas variáveis, portanto, além da adequação usual, devem ser analisadas também do ponto de vista hemodinâmico, principalmente para populações que exibem algum tipo de doença cardiovascular.
Finalmente, pode-se constatar que a aplicação de ER, geralmente mostra-se segura e necessária para populações com doenças cardíacas. Ressalta-se, ainda, que para a prática de qualquer exercício, inclusive o ER, faz-se necessário a determinação da gravidade e evolução do quadro patológico. O ER, assim como qualquer outra modalidade de exercício, pode ser contra-indicado para situações nas quais a doença apresenta grau de severidade ou instabilidade, que comprometa a segurança do praticante em situações de exercício. Posto isso, o desenvolvimento de um programa de ER para cardíacos, embora apresente inúmeras possibilidades de planejamento visando a segurança cardiovascular, faz-se necessária criteriosa avaliação médica e acompanhamento de um profissional de Educação Física capacitado para atuação com esse público.
Autores: CAMARA, Fabiano Marques; MIRANDA, Maria Luiza de Jesus; VELARDI, Marilia.Movimento e Percepção, Espírito Santo do Pinhal, SP, v. 11, n. 16, jan/abr. 2010.